Resenha – “Ignição”, Ingrime (2022)

Ouvimos com exclusividade o novo álbum da Ingrime, “Ignição” e contamos aqui as nossas impressões sobre esse lançamento tão aguardado

Em um tempo de pessoas ignorantes carregadas de certezas e de feridas escancaradas pela falta de sensibilidade, encontrar empatia com os sentimentos, dores e traumas do próximo é algo completamente atípico e extraordinário, e por muitas vezes nos deparamos com essa conexão com pessoas que sequer conhecemos, especialmente através da arte, tendo na música uma das principais válvulas de escape ou ferramenta para que uma mensagem possa tocar a alma de outro indivíduo.

Neste aspecto, “Ignição”, o álbum de estreia da Ingrime, é um verdadeiro vórtice de sentimentos expostos de maneira absolutamente poética e com um senso artístico muito raro de se encontrar hoje em dia. Através das composições e letras da banda encontramos conforto e esperança, reflexão e ressignificação. A música da Ingrime te pega pela mão e convida a visitar o infinito, e o convite é absolutamente irrecusável.

Na estrada há cerca de 5 anos, a Ingrime conta em sua formação atual com Gabriel Teixeira (vocal), Fábio Cerqueira (guitarra) e Gabriel Gustavo (bateria) e após lançar alguns registros em EP, Single e Vídeo, a banda finalmente chega a seu aguardado álbum de estreia com um trabalho que levou o tempo necessário para que ficasse pronto e para que a banda pudesse entregar para seus antigos e novos fãs tudo aquilo que sua música representa.

O álbum abre com “Infinito”, uma canção que conduz o ouvinte para dentro do disco de forma completamente imersiva, através de melodias etéreas e sutis, que vão gradativamente estabelecendo uma conexão entre nós e a obra da banda. O álbum te abraça de imediato e te faz perceber que não está sozinho, funcionando como um farol de esperanças em meio a uma escuridão de incertezas, dores e medos. O vínculo que a música cria com nossos sentimentos é algo até difícil de descrever, tamanha a conexão e a profundidade de sensações e sentimentos.

Independente da banda ter criado isso de maneira intencional ou que essa seja de fato a proposta do álbum, em “Infinito” é nítido que estamos diante de um álbum conceitual, que irá te conduzir através de uma jornada de redescoberta acompanhado de uma trilha sonora tocante e encantadora. Se pudéssemos te dar uma única dica a respeito desse álbum na sua primeira audição seria: Feche os olhos, coloque o seu melhor fone de ouvido e se prepare para uma imersão em outra dimensão.

“Será que o sol é só mais uma ilusão, pra disfarçar esse inverno sombrio? Será que Deus é só mais uma invenção pra eu me sentir um pouco menos sozinho?”

Ao nos identificarmos e reconhecermos nossas dores e anseios em “Infinito”, “Ignição” a faixa que carrega o nome do álbum e um dos principais destaques dele, promove em nós uma espécie de expurgo através de sua energia visceral e explosiva, que coloca pra fora tudo aquilo que nos prende e nos limita. Nessa canção já podemos perceber o quanto o instrumental é absolutamente necessário na construção de todos esse sentimentos, através de uma criação grandiosa e composições de uma complexidade sutil e de uma simplicidade estonteante, nos permitindo afirmar logo na segunda faixa do álbum que estamos diante de uma das mais belas obras que o Rock Nacional nos proporcionou em muito tempo. “Ignição” é de uma verdade dilacerante, com melodias, riffs, arranjos e linhas rítmicas memoráveis, e antes mesmo de a música acabar pela primeira vez você irá se pegar com o refrão gravado irremediavelmente na memória.

“Eu só queria gritar pra fora essa raiva que tenta me corroer, eu só queria fazer você ouvir de longe tudo que eu tinha pra te dizer”.

A já conhecida “Íngreme”, lançada anteriormente ao álbum, recebeu uma releitura ainda mais intensa e que representa muito bem a grandiosidade da obra da banda, carregando muitos dos elementos que compõem a identidade da Ingrime. O destaque nessa canção fica para a personalidade e criatividade dos riffs de Fábio Cerqueira, que consegue ao mesmo tempo soar clássico e contemporâneo, criando camadas de arranjos e melodias impressionantes, sem em nenhum momento ocultar o brilho do trabalho impecável de seus companheiros. Não bastasse isso, Fábio ainda nos brinda com um dos solos mais bonitos e carregados de feeling do disco, deixando o ouvinte completamente sem fôlego e arrepiado. Uma canção para lavar a alma.

“E cada vez mais íngreme pra subir, eu dou um passo em sua direção, o tempo corre contra mim. Forjando outra síntese pra suprir, o meu desejo pelo amanhã me soa tão distante”

“Ceder” foi a primeira música oficial de trabalho do álbum, recebendo um belíssimo videoclipe (Link abaixo) e que reflete sobre os erros que cometemos e repetimos tantas vezes em nossas vidas. Em “Ceder” o destaque fica por conta do incrível trabalho rítmico de Gabriel Gustavo, que mostra a importância do protagonismo de um bom baterista, imprimindo uma interpretação completamente única, elaborada e com um propósito bastante claro para cada composição. Seu senso rítmico é de uma criatividade impressionante para um artista tão jovem, virtude que se estende aos demais membros da banda, que não passam dos 25 anos.

“Ceder” é forte e não poupa palavras para expor e dissipar um sentimento contundente de sofrimento, mas ainda assim, seus recursos artísticos são tão ricos que ela se torna uma canção vibrante e depurativa.

“E não vou mais querer voltar. E não vou mais tentar mudar. E não vou mais continuar a Ceder”.

“Fantasia” é uma canção, em termos musicais, que destoa um pouco das demais, com alguns elementos abrasileirados e algumas passagens bastante cadenciadas, chegando mesmo a remeter a obra de algumas celebradas cantoras como Ana Carolina e Rita Lee, cada qual a sua maneira. A interpretação de Gabriel Teixeira é marcante e requintada e as partes instrumentais são cheias de nuances que criam climas e cenários bastante distintos. “Fantasia” funciona como uma ponte entre dois momentos diferentes do álbum, o que pode ser nitidamente percebido a partir da próxima canção.

“Esquecer seu rosto e esse lugar pra não ter que viver com sombras do passado que me impeçam de me reerguer”.

A partir deste momento, o álbum envereda por um viés bastante melancólico e ainda mais profundo e carregado, entregando algumas de suas canções mais emocionantes e até mesmo tristes, todavia, as mais belas e comoventes de todo o álbum, rasgando o peito com sentimentos excruciantes. Cada detalhe de cada composição, cada nota, cada palavra, é tudo feito com tamanho bom gosto e propósito que torna impossível não se emocionar com a beleza das composições.

“Consciência” é de uma simplicidade e de uma beleza tão arrebatadores que chega a desnortear. Das muitas vezes em que ouvimos esse álbum, várias delas tivemos que voltar ao início desta canção pois ela nos mergulha em um emaranhado de sentimentos que nos desconecta completamente do mundo exterior. À medida que a música vai crescendo, toda a gama de sensações é potencializada proporcionalmente ao peso do instrumental e das memórias que se remoem na vastidão de emoções expressas por Gabriel Teixeira.

“Ah, se eu pudesse me livrar do peso de quando me deito e não quero levantar”.

“Despedida” é sem sombra de dúvidas a mais bela canção de todo o álbum. Se você não se emocionou em nenhum momento até agora, desta faixa será praticamente impossível passar incólume. Com uma interpretação magistral de Gabriel Teixeira, e da convidada Juliana Máximo, e arranjos grandiosos e épicos de violino, o que a Ingrime faz nesta composição é algo de uma beleza incomensurável e de uma poesia que te faz não apenas ouvir, mas sentir a canção. Sem dúvida, uma das composições mais lindas e comoventes que ouvimos em muito, muito tempo.

“Deixe-me ir, deixa eu ir além. Preciso fugir, ir além de mim”.

“Terapeuta” também já é uma velha conhecida de quem já acompanhava a Ingrime antes de “Ignição”, mas em sua releitura para o álbum ela ganhou uma roupagem completamente nova, por vezes flertando até mesmo com o Ska. Se antes “Terapeuta” sentava ao seu lado em silêncio, compartilhando da sua dor, ansiedades e pensamentos, agora ela te pega pela mão, te ergue e faz olhar o mundo sob uma nova perspectiva. Após duas canções absolutamente intimistas e introspectivas, “Terapeuta” surge como um nascer do sol em um dia frio de outono, ou uma brisa em um dia quente de verão: Acolhedora e encantadora. Sua letra absolutamente necessária para os tempos que vivemos carrega uma mensagem importantíssima sobre cuidar de si e sobre a importância de olhar para dentro.

Nesta nova versão da canção, vale destacar o impressionante trabalho do produtor Marco Dower, do Studio Maestrya, que soube absorver a criatividade e a espontaneidade da banda e aplicar sua experiência, imprimindo e acrescentando características técnicas e artísticas notáveis ao som da Ingrime.

“Então ela me disse, um dia por vez, não dá pra amar o outro antes de se amar, e mesmo que o mundo te vença outra vez, sorria por que a vida é sobre reconquistar”.

“Cicatrizes” carrega algumas das melhores melodias do álbum e novamente uma interpretação memorável de Gabriel Teixeira, que explora notas mais altas e recursos vocais interessantíssimos, tudo isso carregado de muito feeling e verdade. A forma que o instrumental vem aos poucos “cercando” a canção e se construindo com calma e resiliência expõe o quão forte é o coletivo da banda, que por mais que apresente em alguns momentos alguns destaques individuais, só funciona pela força, a união e a identidade criada pelo grupo.

“Quanto mais perto do fim mais quero me aproximar do que de você restou, que a vida não levou, e me deixou pra cuidar”.

“Velho eu” é a escolha certeira para encerrar o álbum, encapsulando todos os sentimentos, dores, tristezas, alegrias, fracassos e vitórias aqui expostos, colocando-os em um local especial dentro da construção de quem somos e nos permitindo começar novamente, criando uma sensação incrível de infinitude à obra da Ingrime.

“Hey velho eu, me perdoe por te abandonar. Hey velho eu, me ensine a recomeçar”

“Ignição” levou alguns bons anos para tomar forma, mas quando ganhou vida, nasceu completo. Uma obra para se apreciar várias e várias vezes do início ao fim, daqueles discos carregados de músicas que nos acolherão em nossos momentos de dificuldade e vibrarão conosco as nossas vitórias.

Que esse seja o primeiro álbum de muitos e que a obra da Ingrime siga encontrando morada em outros corações assim como encontrou nos nossos.

Faixas:

1- Infinito 00:00
2- Ignição 03:31
3- Íngreme 07:29
4- Ceder 11:35
5- Fantasia 15:03
6- Consciência 18:25
7- Despedida 23:19
8- Terapeuta 26:57
9- Cicatrizes 31:04
10- Velho eu 34:20

Ficha técnica:
Gabriel Teixeira – Voz
Gabriel Gustavo – Bateria
Fábio Cerqueira – Guitarra e Baixo

Estúdio de Gravação – Studio Maestrya
Produção, Mixagem e Masterização – Marco Dower
Feat. Despedida – Juliana Máximo
Coautoria Cicatrizes e Consciência – Murilo Salvino
Violino – Gabriel Preto
Percussão – Eduardo Rorato
Teclado e sintetizador – Kenned Telles
Direção de Voz – Will Anselmo

Capa do Álbum – Estúdio Sesta

Compartilhe

Twitter
LinkedIn
Facebook

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Relacionados