No One Spoke & Amuro – Célula Showcase, Florianópolis – 30 de abril de 2022

Texto por Luis Fernando Ribeiro. Fotografias por Leandro Abrantes.

A noite do último sábado de Abril de 2022 marcou um retorno bastante esperado aos palcos do Metal Nacional. Inicialmente superado o momento mais crítico da pior crise sanitária vivenciada no último século, bandas que conseguiram manter-se ativas e seus respectivos fãs estavam sedentos por apresentações ao vivo, e foi com esse objetivo em mente e com boas expectativas que as bandas catarinenses No One Spoke e Amuro reencontraram seu público no palco do Célula Showcase, em Florianópolis. O que ambos, músicos e público, não pareciam esperar é que a noite fosse tão memorável quanto acabou se tornando.

Se aproximava da meia noite quando a silhueta dos seis artistas da No One Spoke se desenhou pela luz através das cortinas do Célula, despertando aos poucos a atenção das pessoas que curtiam seus reencontros há tanto aguardados. Parte do público ainda se espalhava pelos diversos espaços da casa quando “Final Breath”, da No One Spoke, começou a preencher todo o ambiente com seus arranjos magnéticos e deslumbrantes. Se no álbum ela funciona como uma espécie de ponte entre o disco e seu encerramento, no show ela serviu como uma introdução de cunho hipnótico, que aos poucos foi atraindo o público, fazendo-o preencher toda a parte frontal do palco.

Carla Domingues e Iva Giracca

Celebrando 1 ano do lançamento de seu álbum de estreia, “Nine Mirrors”, e podendo finalmente executá-lo pela primeira vez ao vivo, era notável a energia que emanava dos músicos logo nos primeiros instantes da avassaladora “Bridge to Sanity”, o belíssimo cartão de visitas da banda que, talvez propositalmente, entrega imediatamente toda a técnica e capacidade criativa de cada um dos instrumentistas, que deixam o público completamente sem fôlego antes mesmo da soprano Carla Domingues começar a cantar e deixar de vez até mesmo aqueles que já estão familiarizados com seu trabalho, completamente atônitos.

Antes de dar sequência, Carla deu voz a emoção de todos os presentes, agradecendo e celebrando a oportunidade deste reencontro, criando uma conexão ainda mais estreita com o público. As melodias encantadoras de “Blue Way” são um convite a fechar os olhos por um momento e se permitir ser completamente absorvido pela beleza da composição, que nos apresenta a uma banda com uma capacidade criativa muito além dos limiares da fórmula padrão do Heavy, do Prog ou do Symphonic Metal, que definem a proposta principal da sonoridade da No One Spoke. Através desta canção, Carla Domingues (Vocal), Iva Giracca (Violino), André Medeiros (Guitarra), Thiago Gonçalves (Teclado), Artur Cipriani (Baixo) e Gabriel Porto (Bateria), demonstram todo seu talento individual, atuando todos como protagonistas dentro de um contexto coletivo superior. Uma das passagens musicalmente mais marcantes do show.

A medida que a proposta da banda ia ficando cada vez mais clara, mais alinhado o som da casa ia ficando, e quando as primeiras imagens do videoclipe de “Fear of Regret” apareceram no telão, parte do público ficou dividida em acompanhar as imagens encantadoras do vídeo ou assistir a execução ao vivo dos belíssimos arranjos do teclado de Thiago e do enviesar melancólico do violino de Iva e da voz de Carla, deixando o público absorto e acompanhando de maneira mais contemplativa o profissionalismo e a naturalidade com que os músicos executam cada canção.

Seguindo a execução do álbum em sua totalidade e na sua ordem original – a exceção da introdução e de dois tributos – os fãs da banda já esperavam pela sequência com a pesadíssima “Sigh”, com suas passagens cadenciadas que a aproximam sutilmente do Doom Metal. Surpreendentemente, em se tratando de um show de Metal, e talvez pela perícia admirável dos músicos, este foi o primeiro momento que parte do público se permitiu tirar os olhos do palco para bater cabeça ao ritmo arrastado dos riffs soturnos da guitarra de André Medeiros e da bateria de Gabriel Porto, que opera como uma espécie de regente, coordenando os direcionamentos da banda com sua técnica precisa e brutal.

André Medeiros

“Rise Again” é vibrante e pega os desavisados de surpresa com seu ritmo animado, colocando o público para pular e dançar, com destaque para o baixo pulsante de Cipriani e a bateria de Porto, que apesar de toda a técnica envolvida, soam empolgantes e cheios de feeling. Carla e Iva são sempre encantadoras e suas perícias artísticas fazem delas musicistas únicas em seu meio, colocando-as numa importante posição de destaque, reforçando a conquista crescente do espaço da mulher neste meio há tanto tempo erroneamente marcado pela predominância masculina.

Artur Cipriani

Recordando a participação da No One Spoke no tributo brasileiro ao Led Zeppelin, “Stairway To Brazil”, a banda chamou o talentoso percussionista Marcio Bicaco ao palco para a execução de “Kashmir”. Neste ponto é importante destacar o quanto a banda imprimiu sua própria identidade aos tributos que executou, validando sua inclusão no show com muito propósito, não apenas para estender o setlist. Enquanto a banda ajustava espaço no palco para um sétimo integrante, Iva Giracca esbanjava carisma brincando com o público e com o nome da música, mas logo nas primeiras notas a densidade e a seriedade do clássico do quarteto britânico envolveu a todos, que cantaram e celebraram a altura deste verdadeiro hino do Rock e do Heavy Metal.

Gabriel Porto e Marcio Bicaco

Iva Giracca

“Trust Yourself”, como era de se esperar por aqueles que já conheciam a obra da banda, é um dos momentos mais comoventes da apresentação, com passagens delicadas e profundas que culminam em um encerramento triunfante, com um solo incrivelmente emocionante de André Medeiros e outro de Iva Giracca. O alcance vocal de Carla Domingues é simplesmente estonteante.

O tributo ao mestre Ronnie James Dio era inevitável e a versão da banda para “Rainbow in the Dark”, gravada originalmente com a participação do renomado baixista Rudy Sarzo, ficou muito bem posicionada no setlist, colocando a casa toda para pular, cantar e bater palmas, antecipando o encerramento de maneira vibrante e empolgante.

Thiago Gonçalves

“Milonga para las Reinas”, talvez a música mais popular e importante da banda, ficou responsável por finalizar a apresentação de maneira apoteótica. Iva faz o chamado à banda e os músicos respondem de maneira avassaladora, com destaque para a técnica apuradíssima de Artur Cipriani e as linhas tempestuosas de Porto, Medeiros e Gonçalves, que chegam mesmo a flertar com o Black Metal Sinfônico a medida que a música ganha força a cada nova repetição do seu grandioso refrão. Falando sem receio de soar exagerado, esta canção é possivelmente uma das melhores composições o Heavy Metal que já tive a oportunidade de ver e ouvir ao vivo, colocando a banda importante posição de uma das bandas mais promissoras do Metal desta geração.

Carla Domingues

 

Setlist No One Spoke: Final Breath (Intro); Bridge To Sanity; Blue Way; Fear Of Regret; Sigh; Kashmir (Led Zeppelin cover); Rise Again; Trust Yourself; Raibow In The Dark (Dio cover); Milonga de Las Reinas;

Amuro

O encerramento flertando com o metal extremo é quase um aviso do que viria a seguir, pois quando a Amuro subiu ao palco, com dois terços de sua formação também pertencendo a No One Spoke, o que se viu foi apenas uma mudança de ambientação, sem baixar o nível técnico e grandioso da apresentação, que apesar de caminhar por um direcionamento mais cru e direto do Raw Black Metal, possui inúmeras passagens mais elaboradas e ares teatrais motivados especialmente pela iluminação lúgubre e pelo figurino e postura sombrios dos músicos.

Quando Artur Cipriani (Baixo e Vocal), Daniel Rosick (Guitarra e Backing Vocals) e Gabriel Porto irrompem após a introdução “Forest Temple Reissue” com a impetuosa “Will do Death”, somos imediatamente transportados para os cenários mais gélidos e tenebrosos do que imaginamos ou conhecemos dos países escandinavos, ou até mesmo dos recônditos mais sombrios da nossa mente. O som é pesado, denso e estrondoso, como era de se esperar, mas ainda assim há espaço para muito feeling, técnica e passagens épicas.

A sonoridade é predominantemente apoteótica e mesmo nas músicas mais cadenciadas, a agressividade é perturbadora. “Misanthropy” e “Mundane Eyes”, duas das mais celebradas pelo público, convidam a bater cabeça intensamente. Em “Mundane Eyes” a combinação dos vocais rasgadíssimos de Cipriani com os coros dilacerantes de Rosick criam um clima grandioso, épico e absolutamente assombroso.

Artur Cipriani

A grande novidade da noite, o single “Real”, que havia sido lançado no mesmo dia da apresentação, apesar de ainda não conhecido da maior parte do público, foi o grande destaque da apresentação. Cantada em português, “Real” carrega um clima assustador, reforçado com a maior possibilidade de compreensão da letra vociferada Cipriani, que chegou a consultar o público após a música sobre o entendimento da temática, mas não seria necessariamente preciso o entendimento para compreender a tensão iminente e o terror inimaginável carregados pela densidade palpável da composição.

“Praga”, é detentora de alguns dos melhores riffs – à la Immortal – e linhas melódicas de Rosick, de fraseados rosnantes do baixo de Cipriani, tal qual sua interpretação à letra, e de mudanças de tempo constantes comandadas pela precisão de Gabriel “Gargamel” Porto.

Daniel Rosick

A versão da banda para a clássica “Freezing Moon”, do Mayhem, foi muito celebrada pelos fãs, que vibraram com a inclusão deste hino do Black Metal no setlist.

Gabriel “Gargamel” Porto

“Villain” encerrou a noite, criando grandes expectativas pela próxima oportunidade de rever as duas bandas nos palcos e deixando uma sensação de alma lavada, estendendo o impacto gerado pelas apresentações semana adentro, enquanto o som da No One Spoke e da Amuro seguem tocando incessantemente em meus fones de ouvido.

Setlist Amuro: Forest Temple Reissue (Intro); Will To Death; Misanthropy; Mundane Eyes; Real; Praga; Freezing Moon (Mayhem cover); Villain;

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