Review: Dislaze – “Zero” (2021)

Intitular-se como Metal Moderno tornou-se uma prática comum entre inúmeras bandas que surgem repetindo uma fórmula contemporânea de se fazer música pesada, mas que não querem se ver presas aos limiares do rótulo de um gênero musical, geralmente o Groove Metal, o New Metal ou o Melodic Death Metal, que melhor se adaptaram às características modernas do gênero.

Ainda assim, saber criar uma identidade e uma sonoridade que não se amarram aos limites artísticos de uma vertente musical é tarefa para poucos, pois muitos se perdem na falta de personalidade e outros tantos na falta de coerência musical.

Alheios espontaneamente a todas essas preocupações, os paulistas da Dislaze parecem ter deixado de lado os anseios do mercado fonográfico ao compor suas músicas, se permitindo fluir de maneira natural entre o Hard Rock, o Heavy Metal, o Thrash Metal, o New Metal e o Death Metal, ainda que tudo isso esteja envolvido de uma aura única que identifica o som da banda, fazendo todas as canções soarem como Dislaze, ainda que apontem para caminhos bastante diferentes.

Apesar de formada em 2010, a Dislaze foi lançar seu álbum de estreia somente em 2021, quando de fato se sentiram preparados e com composições fortes o suficiente para serem registradas para a posteridade.

Foi assim que surgiu “Zero”, um álbum heterogêneo, que consegue se comunicar com as novas e antigas gerações de fãs da música pesada, não por ser um disco genérico (muito pelo contrário), mas por se tratar de um álbum que transborda energia e transpira honestidade. Tal qual a trajetória de Marcos Sel (Vocal e Guitarra), Pedro Fabri (Baixo e Backing Vocals) e Raphael Miotto (Bateria), “Zero” é intenso e clama por revolução, seja ela dentro de si ou no mundo lá fora.

O disco abre de maneira estonteante com o petardo moderno, “Under My Skin”, apresentando logo de cara uma das músicas mais vigorosas e agressivas do álbum, que viaja ao cerne da alma do ouvinte e dilacera os sentimentos escondidos nos recônditos de sua mente.

Os gritos agonizantes de Marcos são cortantes como o frio e o peso da canção e de seu tema desnorteiam e levantam uma pesadíssima mas importante reflexão interna. Visando passar uma experiência ainda mais vívida, a música recentemente recebeu um videoclipe tão angustiante quanto sua composição, abordando questões absolutamente contemporâneas como a ansiedade e a crise de pânico.

Transformando água em vinho, a faixa título do disco aponta para uma direção completamente oposta da anterior, mais vibrante e cativante, ainda que pesada e agressiva a sua maneira. Sendo uma canção mais acelerada e direta, acabou se tornando a faixa mais objetiva e curta do álbum, mas não menos empolgante, permitindo-se em seus pouco menos de 3 minutos acumular alguns momentos bastante marcantes, com linhas interessantes e envolventes de baixo e bateria, com riffs e melodias excelentes e uma interpretação cheia de malícia de Marcos Sel.

“Man Down” faz pesadas críticas ao até então Presidente Brasileiro da República, que se não ficam claras o suficiente através da letra da música, o que é bastante improvável, são escancaradas através do videoclipe da música. Sua sonoridade segue os rumos da faixa anterior, mesclando a hostilidade do Heavy Metal com a perspicácia do Hard Rock, em uma interpretação competentíssima do vocalista Marcos, que molda a expressão da sua voz a necessidade de cada sentimento a ser exprimido, neste caso, o desprezo, a raiva e a revolta, também brutalmente expressos pelas linhas instrumentais da composição.

Na sequência, temos um dos grandes destaques do álbum, que também recebeu um videoclipe grandioso ambientado no que seria o Antigo Egito, fazendo referência a temática da música. “Kadriya” começa de uma maneira completamente atípica, com uma sonoridade que de fato remete a cultura do Oriente Médio, servindo apenas como plano de fundo para a fúria sonora e atordoante da cozinha de Pedro e Raphael, somados pelo peso dos riffs e distorções de Marcos Sel.

“Kadriya” aborda a história de Cleópatra, traçando um paralelo com uma pessoa muito próxima a banda, que carrega em seu sobrenome o nome desta canção e o instrumento utilizado para criar essa ambientação é um artefato que ficou conhecido pela alcunha de Violão de Pele, um artefato único e exótico, criado e patenteado pelo luthier Sidnei Novo, sendo a Dislaze a primeira banda no mundo a registrar sua sonoridade singular em uma gravação de estúdio.

Criando uma espécie de oásis ao final da furiosa execução da canção anterior, “Pleasure & Pain” surge como um respiro de apreciação a criatividade e a capacidade técnica dos músicos, que se permitem explorar e trazer inúmeros elementos e experimentos a sua sonoridade, resultando em uma das músicas mais agradáveis e completas de se ouvir no álbum. O título da faixa talvez defina em apenas duas palavras o trabalho da Dislaze melhor do que fizemos em todo esse texto, uma trajetória com muita dor e prazer, de momentos difíceis e de completo deleite.

A balada “Stellar” possui momentos belíssimos que se desenvolvem sem a pressa do imediatismo que uma música mais comercial propõe, valorizando ainda mais o propósito artístico dos músicos acima de seus interesses mercadológicos. As melodias do violão, da voz, da guitarra e do baixo, se complementam num uníssono sussurrante e delicado, com uma sensibilidade desconcertante.

“Sand Plans” soa como uma continuação natural para a primeira metade do disco, criando uma ponte excelente para a parte final do álbum, mas talvez deixando “Stellar” um pouco deslocada em meio ao tracklist. Com uma sonoridade ao mesmo tempo simples e elegante, com passagens mais complexas, mas que não pecam pelo preciosismo ou pelo virtuosismo em excesso, “Sand Plans” torna-se outra das faixas mais interessantes do álbum, sendo uma das mais fáceis de assimilar, apesar de suas passagens exuberantes.

“Nightmare”, por sua vez, vai mais direto ao ponto, com momentos mais empolgantes do que elaborados, ainda que possua um cuidado artístico muito grande, criando atmosferas grandiosas em meio as passagens mais expansivas.

O disco se encaminha para o final com uma das composições mais bonitas e completas da Dislaze, contendo dentro dela quase todos os elementos que pudemos apreciar no decorrer da audição do álbum, dos riffs para bater cabeça, às distorções experimentais, passando pelas interpretações teatrais e pela construção musical ora mais direta, ora mais elaborada.

A oitentista “Dog Collar”, além de possuir uma capa belíssima para seu single, um dos cinco que anteciparam o lançamento do álbum, é provavelmente a canção mais legal do álbum, mesmo que talvez não figure entre as favoritas da maioria dos fãs. Se pudéssemos escolher uma única canção que melhor representasse a sonoridade da Dislaze como um todo, essa música seria “Dog Collar”.

O álbum encerra com a vibrante “Locomotive”, uma faixa que servirá muito bem também para os encerramentos dos shows da banda. “Locomotive”, apesar de densa, é uma canção impetuosa e que deixa no ar um grande sentimento de expectativa, como se o próximo álbum estivesse logo ali à frente, como uma sequência natural desde que é um dos melhores álbuns dessa década que se inicia.

“Zero” tem a produção do renomado Thiago Bianchi (Noturnall, ex-Shaman) e só não é “Dez” pois sabemos que a Dislaze ainda reserva grandes coisas a todos que ficaram empolgados com este registro e aguardam ansiosamente por novidades da banda. Vejamos o que o futuro nos reserva.

Leia mais sobre a Dislaze no Site da Hell Yeah:

Conheça a Dislaze, banda do ABC paulista de Modern Metal

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